Condensado Teórico

Criei esta palavra para designar interação fluente. É também matéria de estudo do processo de fluência, expressão/comunicação do ser humano, do ponto de vista comportamental. A partir da experiência de dez anos regência de corais, seis anos como cantoterapeuta realizando diversos work shops em clínicas de terapias alternativas, empresas, escolas, universidades e também a partir do atendimento individual de clientes das mais diversas áreas profissionais, organizei uma série de práticas e exercícios que facilitam tanto a fluência individual como a fluência na interação pessoal.

Para efeito de estudo, é importante tratar primeiro a fluência individual. Depois a ação individual e, por último, a interação. Um verdadeiro treinamento relacional para o indivíduo.
Contexto

Estamos vivendo um momento de excesso de informação, de pouca reflexão, onde interação é coisa raríssima. Não me refiro a essa interação de televisão nem de internet, que são muito limitadas. Refiro-me à interação entre os humanos. Olho no olho, cara a cara, corpo a corpo. Estamos nos dividindo cada vez mais em tribos que não interagem. Isolam-se nos seus conceitos, hábitos e gostos muito específicos. A tribo defende você da crítica e ação destrutivas, da pressão comportamental. Mas chega uma hora em que ela começa a impedir a sua evolução. Fica muito “fechado”. Interação, como a própria palavra expressa, é a reciprocidade na ação. Ação de crítica construtiva, destrutiva, de vivência, de carinho, de violência, de experiência entre seres.

Uma interação proveitosa à distância é quase impossível. Os chats de internet são humanamente muito pobres. Fica faltando o ser humano aqui e agora. Dificilmente uma correspondência, ainda que sistemática, sustenta uma relação numa dinâmica satisfatória. Estou falando o óbvio. Só que para muita gente, por incrível que pareça, isto não é óbvio. Com a evolução tecnológica estamos ficando menos exigentes quanto à interação humana. É como se a tecnologia estivesse “substituindo” o contato humano. O homem está meio hipnotizado, derretido pelo fascínio ante as acrobacias e pirotecnias tecnológicas.

Isto não deixa de ser maravilhoso e útil. Uma família, afastada milhares de quilômetros de um de seus membros, pode, hoje, conversar através de uma câmera com microfone, pagando mais barato que uma simples ligação telefônica local.
Um empresário pode monitorar todo o andamento de suas empresas pelo computador. Um músico pode dispor de uma orquestra inteira no computador para experimentar suas idéias. O pintor idem, o médico, o arquiteto, o engenheiro, etc.

A idéia básica da evolução tecnológica, pelo menos a vendida pela mídia, é a de, simplificando o trabalho, permitir aos usuários maior tempo livre para o lazer. Mas não é só isto o que está acontecendo. A vida humana civilizada está cada vez mais crítica para aqueles que não dirigem a economia do planeta, ou seja, para todo mundo. Não dá tempo de nos voltarmos para o humano/amoroso. Estamos cada vez mais no humano/caçador. O tempo dá apenas para cuidarmos, como desesperados, da nossa salvação material individual, e olhe lá!

A nossa capacidade de planejamento em longo prazo está cada vez menor. Isto nos coloca quase que obcecados pela sobrevivência imediata. A vulnerabilidade está cada vez maior. O medo vem tomando conta de nós, pouco a pouco e, sem que nos demos conta por inteiro, estamos cada vez mais impossibilitados e incapazes de interação verdadeira. Estamos empobrecendo sem perceber. Materialmente, sem dúvida, mas principalmente como seres criativos, capazes de um crescimento interior que possibilite manifestar a grandeza especifica de cada um, “o caráter de algo único” de que somos dotados conforme o Dr. Victor Frakl em seu livro Logo terapia.

Tem muita gente no planeta que já nasceu neste esquema, então nem percebe. Gente que está com mais horas de máquina que de papo ao vivo. Gente que acha simplesmente ridículo parar para conversar, refletir e questionar sobre o sentido da vida, por exemplo. Gente que não lê as obras dos grandes pensadores e realizadores da humanidade alegando: “O que que eu vou fazer com isto?” Uma coisa é certa: “… não estaria fazendo metade do que pensa que faz se não fossem esses homens.” Gente que tem cada vez menos noção da realidade política e econômica em que nasceu. Acham que tudo é como a mídia diz. A superficialização, o embrutecimento e a programada idiotização dos seres humanos estão trocando a interação fluente (a interfluência) pelos sinais de fumaça usados pelos índios para se comunicarem à distância, só que, hoje e de perto. “Falô? Beleza! Só! Certo mano, etc.” (Nada contra a gíria, mas contra SÓ a gíria como linguagem).

Há uns 50 anos, uma criança ouvia, com interesse e mesmo sem entender muito os significados, as vozes presentes da mãe, pai, tios, irmãos, etc. Em plena interfluência. A energia das pessoas estava ali, naquele momento, interagindo com ela. De uns 30 anos para cá uma criança ouve, com interesse, muito mais a televisão. Em plena passividade. A energia das pessoas não está mais tanto ali, naquele momento. Facilmente ela sucumbe ante ao fascínio que exerce aquele caleidoscópio de ritmos, idéias, sugestões, convites, seduções, barbáries, sons e cores. Ela é estimulada à passividade conceitual. Inibem o questionamento de conceitos. Mesmo os básicos. Do jeito que está, ela pode questionar qual programa de TV gosta mais, mas nunca fazer uma experiência de “como seria a vida sem TV”. Essa possibilidade não existe porque a TV, para ela, foi mais ou menos como a mãe. Não a mãe que cuidou materialmente, mas aquele ser constante, incansável, que ali estava todos os dias lhe dando toda a atenção do mundo, distraindo, entretendo e, principalmente, lhe transmitindo o cerne dos princípios morais e filosóficos que lhe guiarão por toda a vida.

Não há mãe que consiga competir com isto! A pouca voz dos pais perde a força quando a criança chega à idade escolar. Mamãe falou, mas todo mundo na escola ta dizendo o que a mídia diz. Quem cuida do corpo material é a mãe e o pai, mas quem cuida da cabeça, do conteúdo é a TV. Quem chega derepente à civilização tem que se adaptar a esta esquizofrenia coletiva para sobreviver. A essa nova ordem mundial. Assim a interação fica limitada aos acenos e interjeições desse novo dialeto. Este não é um drama das classes miseráveis apenas, é também, e cada vez mais, um drama das classes que estão sendo miserabilizadas financeiramente e, conseqüentemente, culturalmente.

A classe média esta ficando com pouco tempo/dinheiro para ir ao teatro, que é uma das formas artísticas de maior interfluência, aos concertos, que estão cada vez mais raros. Se você não é um dos 20 que estão regendo o planeta agora, então você faz parte dos “em miserabilização”. Entre outras coisas, você precisa urgentemente interfluir. Mas é preciso antes desenvolver a capacidade de fluência individual. Alguns fatores são imprescindíveis para a fluência individual: percepção, percepção de si próprio (autoconhecimento) e desejo de evolução interior; mental, emocional, cultural e espiritual.

Estes fatores são indispensáveis para uma interação fluente:

-percepção aguçada de si próprio
-percepção aguçada do outro
-respeito
-vontade de compreensão
-interesse pelo ser humano
-paciência
-generosidade
O maior inimigo da interfluência é o desprezo. O desprezo pelo outro é, no mínimo, o desprezo por si próprio. É também a reação de defesa ante uma profunda insegurança em lidar com o diferente. É o desprezo em relação ao movimento de evolução, por medo, cansaço, incompetência, insegurança, inabilidade, orgulho excessivo, etc. Evolução cansa, e nem sempre é tida como possível ou bem vinda, porque dá trabalho.

Não é raro o homem comum estagnar-se voluntariamente a partir do momento em que atinge a sua meta profissional/financeira. A partir daí, “estável”, pode fechar-se em si mesmo. Para na evolução com a sensação de vitória, passa a viver numa pomposa mediocridade pessoal. Ele interagia falsamente e fingia contatos fluentes para atingir a sua meta. Até aí, nenhuma novidade ou anormalidade. Mas, se ficou faltando o convívio interativo e fluente, o desgaste é grande, estressante, insalubre. Ele pode fingir para os outros (caça é assim mesmo), mas não para o seu organismo que vai ficando envenenado com a somatização das frustrações, das angústias e das decepções. Ele atingiu a sua meta, ficou rico, por hipótese, mas continua um ser humanamente pobre e solitário.

Não interage com verdade porque não aprendeu nem praticou. É um faminto de energia e um candidato a vampiro. Daqueles que se cerca de pessoas fluentes, sorve a energia delas, mas não dá nenhuma. Não sabe. Mas, como todo mundo, não vive sem. Ou seja, vira um chato. Sem a troca, as pessoas fluentes que estão perto dele vão se sentindo vazias pela falta de interfluência neste contato e se afastam, e ele, cada vez mais só.

Já o sábio (e têm muitos por aí), fora da caça, procura relações onde possa interagir fluentemente. Nelas procura o conjunto intercessão entre ele e o diferente e sempre há um. A boa vontade o faz descobrir. Porque o sábio sabe que só a interação fluente interessa de fato, para os dois ou mais lados. Estabelece um vínculo positivo e sólido entre os seres humanos, animais, vegetais e minerais. Estabelece a interação fluente (interfluência)‚ o maior dos alimentos, e todos dependemos dele para estarmos vivos por dentro e por fora. Um contato, onde ocorreu a interfluência, sobrevive a uma grande ausência. Daqueles que a gente nunca esquece e que, apesar de uma distancia física) nunca parece estar longe de verdade.

Para se conseguir um nível maior de interfluência é preciso, primeiro, cuidar da fluência interna.

Ajudam você fluir:
-percepção de si próprio
– boa auto estima
– paz de espírito
– domínio do seu espaço mental
– ausência de perfeccionismo na hora da fluência
– ausência de culpa ou medo na vivência prazerosa
– entregar-se às vivências de alma e não só de corpo

Estados a serem superados:
Timidez

A timidez é uma das várias reações ao menosprezo alheio. O tímido morre de medo do acontecer, implícito na interfluência. Geralmente tem uma excessiva autocrítica, pouca autoestima, medo de se expor. O tímido tem a certeza da sua (nem sempre verdadeira) inferioridade e acaba gerando, como defesa, um orgulho enclausurante. Ele mesmo concorda com aqueles que o têm em mau conceito e não se acha digno. Tem certeza de que, se se abrir vai se dar mal. Ele não aceita a idéia de ser um ser falível. O tímido, para sobreviver, manobra (sub-repticiamente e disfarçadamente) o outro, para conseguir o que quer. A fofoca dissimulada, os olhares de reprovação, tudo muito sutil. O tímido olha de baixo para cima e sucumbe ao desestímulo externo.

Arrogância

É também uma reação ao menosprezo alheio, oposta à timidez. O arrogante não sucumbe ante o menosprezo alheio. Não quer nem saber se os outros têm razão. Ele enfrenta reativamente, age com a memória emocional destrutiva. Quem sucumbe é parte da sua condição ideal de reflexão, porque lhe falta a percepção de si próprio, necessária para refletir sobre o mau conceito que fazem dele. “A vida é assim mesmo, tomou levou”. O arrogante tem menos chances de recuperar a autoestima do que o tímido. Isto porque a humildade está fora do seu repertório. É fraqueza para ele. Acontece que, ao contrário da timidez, a arrogância incomoda mais aos outros. Ele passa então a ser rejeitado mesmo. Não pelos defeitos que julga ter e faz de tudo para esconder com a arrogância, mas pela postura estúpida e agressiva.

Não estou dizendo que a subserviência esteja mais próxima do equilíbrio do que a estupidez. Ambas nublam a capacidade de reflexão. É que o tímido acaba tendo um ambiente mental mais propício à reflexão. Ele se defende quieto, observa mais. Como o tímido, o arrogante, no fundo, concorda com as críticas que fazem a seu respeito e sua manobra pende para a estupidez e para a grosseria. O arrogante olha de cima para baixo e briga, agride para conseguir o que quer. Tanto arrogância quanto timidez são inimigas mortais da interfluência.

O ser humano interfluente, ante uma crítica, não olha de baixo para cima e nem de cima para baixo: olha no mesmo nível. Para o interfluente, a crítica deve servir para a reflexão com a finalidade de se perceber o quanto tem de verdade aquelas palavras, para que o criticado possa corrigir ou esclarecer o outro, se for o caso. É claro que, assim escrito, fica até bonito, só que, ao vivo, sabemos que não é fácil perceber. Isto requer muito treino. A capacidade de percepção aparece depois de muito trabalho, de muita observação. É cansativo e exige constância, mas os frutos são definitivos. Tornam-se um patrimônio pessoal vitalício.

Qualidade a ser desenvolvida

Percepção

– Você já se imaginou sendo um só com o pior ser humano de que já ouviu falar?
– Já pensou sendo um só com seu inimigo mortal?
– Com um torturador da inquisição ou das ditaduras latinas?
– Já pensou numa comunhão de alma com um serial killer?

Pois eu digo a você que, um dia, isto vai acontecer. Se já não aconteceu. Simples, porque vocacionalmente, nós somos uma relação que, para dar certo, precisa ser harmoniosa. Não é só filosofia, é fato físico. Coloque sua orelha ao lado da turbina de um jato em funcionamento (não vá fazer isso, é só pra você imaginar). O ruído é insuportável, não é? Agora se afaste um kilômetro da mesma turbina. Ficou bonito, não? É que o som demorou uns três segundos mais ou menos até atravessar esse kilômetro e chegar aos seus ouvidos. Nesse tempo (3 segundos), a natureza se incumbiu de eliminar os sons desarmônicos associados ao som emitido pela turbina, diminuiu a amplitude (volume) e, quando chegou ao seu ouvido, o som estava bem mais puro, mais agradável de ouvir. Volume e timbre do som.
O tempo e a distância adequada fazem a harmonização.

Poderemos até não chegar lá, mas caminhamos para uma relação mais harmoniosa. Isso não é papo de bicho grilo. À medida que os “egos” vão diminuindo, a afinidade vai aumentando entre os seres. Por exemplo, neste momento da história, o poder estabelecido faz de tudo para todos ficarem com os egos parecidos. Nos hábitos, ambições, cultura, etc. através da mídia. Porque assim fica mais fácil manipular. Fabricar e vender maciçamente as mesmas coisas para todo mundo. O objetivo é o poder. A mesma coisa acontece com as nossas almas. Só que aí ninguém precisa fazer nada para elas ficarem iguais. Elas já são. Quanto mais anímicos, mais parecidos ficamos. Quanto mais abstraídos das diferenças de personalidade, mais nos sentimos um só com todos.
Vou apelar para o exemplo outra vez: Cada tribo urbana gosta de um tipo de bebida: uns de vinho, outros de refrigerante, outros de suco etc. Mas todos gostam de água. A necessidade básica é esta. Todas as bebidas contém H20 em alguma proporção. Água é o ponto essencial em comum. Assim é com a alma. Todas as personalidades contêm alma, a alma é o ponto essencial em comum. Essa é a grande afinidade entre nós, seres vivos.

Quanto maior a afinidade, maior a fluência de uma interação. Quanto mais alma disponível em qualquer comunicação ou expressão, maior a interação fluente: a INTERFLUÊNCIA. Fica mais fácil perceber as obras que contém bastante alma do que explicar, demonstrar e provar a existência dela. Através das artes você pode perceber a maior ou menor presença da alma. Principalmente na música, que é uma linguagem cuja decodificação por completo, em nível intelectual, ainda é impossível. Quando você escuta uma música que lhe “toca” profundamente bem, ela toca você mesmo…no ouvido, altera a sua química cerebral, co-move, põe você num estado de semi-hipnose, muda seu estado emocional e sentimental, colocando-o muito mais perceptivo de si mesmo, das coisas ao seu redor, e remete você ao mundo da “fantasia”, das coisas que ainda não existem por aqui,

…dos sonhos que poderão se tornar realidade.

Põe você em contato com um “lugar” dentro de você, bem mais poderoso do que o seu ego, sua personalidade.
Desse lugar aí emana a sua alma, que precisa fluir tanto quanto você precisa de água para viver. As barreiras para a fluência da alma são imensas. Justo por que ela é antagônica à persona. Não dá pra pegar assim como você pega no braço de alguém.
Você não precisa conviver com quem não quer, basta não querer o mal de ninguém por que, assim, estará ajudando a todos inclusive você nessa imensa cadeia relacional humana que precisa ser harmônica. Todo convívio, não importa a distância, precisa:
-Perceber o quanto se tem em comum com o outro
-Tentar interagir inicialmente com base nestes pontos em comum
-Ampliar a afinidade através de uma gradativa e não-violenta flexibilização das personalidades em questão, tendo por base o afeto generoso

Isto é o mínimo que podemos fazer de construtivo.

É instrumento de felicidade e de paz.

Praticar a música, sendo você o compositor, o instrumento e o intérprete num movimento de improvisação coletiva é, além de uma novidade (2001), uma das melhores formas de expressão. Agora, já imaginou isto sendo a linguagem entre você e os outros? O grau de interação fluente aumenta incrivelmente.
Isto é Interfluência.
Uma nova forma de relacionamento onde interação e fluência acontecem a partir da expressão vocal, do olhar e do toque (ao mesmo tempo). Sem forçar a barra.
Interfluir pode ser bom pra quem está buscando maior transparência e profundidade nas relações afetivas, maior expressividade dos seus sentimentos, maior percepção das afinidades e desafinidades e mais alegria nos encontros. Brincando, as pessoas liberam e desenvolvem a sua capacidade de interagir com fluência e descobrem um outro nível de interação pessoal. É uma atividade que produz desestresse. Para fazer você chegar lá Arly Cravo usa conhecidas técnicas corporais e de canto, além do bom humor.
É um encontro divertido, e é desse jeito que você pode aproveitar para dar um bom mergulho dentro de si e nas possibilidades de interfluência com os outros. As pessoas que fizeram, se entregaram e se integraram na Interfluência, sentiram melhora na vida amorosa, melhora da qualidade do sono, melhora da percepção de si e dos outros, melhora nos relacionamentos pessoais e profissionais, maior lucidez, melhora da articulação vocal e, o mais importante, melhora na auto-estima.